100 MYTOS

4.26.2006

Mário de Sá Carneiro

















Mário de Sá Carneiro nasceu em Lisboa, em 19 de Maio de 1890.
Suicidou-se em Paris em 26 de Abril de 1916.
Filho de família abastada, em 1912 seguiu para a capital francesa, onde se inscreveu no curso de Direito da Sorbome, cujas aulas abandonou nesse mesmo ano, passando a viver a boémia artística parisiense com outros intelectuais interessados na arte de vanguarda.
Manteve intensa correspondência com Fernando Pessoa.
Estava em Portugal quando foi lançada a revista Orpheu, da qual foi director, colaborador e o principal financiador.
Em Agosto de 1915 regressou a Paris, de onde comunicou a Fernando Pessoa que não custearia o terceiro número da Orpheu, porque o pai lhe reduzira a mesada.
Começaram então as crises psíquicas e financeiras que precederam a sua morte.



















Rodopio

Volteiam dentro de mim,
Em rodopio, em novelos,
Milagres, uivos, castelos,
Forcas de luz, pesadelos,
Altas torres de marfim.

Ascendem hélices, rastos...
Mais longe coam-se sóis;
Há promontórios, faróis,
Upam-se estátuas de heróis,
Ondeiam lanças e mastros.

Zebram-se armadas de cor,
Singram cortejos de luz,
Ruem-se braços de cruz,
E um espelho reproduz,
Em treva, todo o esplendor...

Cristais retinem de medo,
Precipitam-se estilhaços,
Chovem garras, manchas, laços...
Planos, quebras e espaços
Vertiginam em segredo.

Luas de oiro se embebedam,
Rainhas desfolham lírios:
Contorcionam-se círios,
Enclavinham-se delírios
Listas de som enveredam...

Virgulam-se aspas em vozes,
Letras de fogo e punhais;
Há missas e bacanais,
Execuções capitais,
Regressos, apoteoses.

Silvam madeixas ondeantes,
Pungem lábios esmagados,
Há corpos emaranhados,
Seios mordidos, golfados,
Sexos mortos de ansiantes...

(Há incenso de esponsais
Há mãos brancas e sagradas,
Há velhas cartas rasgadas,
Há pobres coisas guardadas -
Um lenço, fitas, dedais...)

Há elmos, troféus, mortalhas.
Emanações fugidias,
Referências, nostalgias,
Ruínas de melodias,
Vertigens, erros e falhas.

Há vislumbres de não-ser,
Rangem, de vago, neblinas;
Fulcram-se poços e minas,
Meandros, pauis, ravinas
Que não ouso percorrer...

Há vácuos, há bolhas de ar,
Perfumes de longas ilhas,
Amarras, lemes e quilhas -
Tantas, tantas maravilhas
Que se não podem sonhar!...



Mário de Sá Carneiro
Paris, Maio de 1913

4.23.2006

Esperança



















Esperança.

Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu fi-lo perfeitamente.
Para diante de tudo foi bom
bom de verdade
bem feito de sonho
podia segui-lo com realidade.

Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu sei de cor.

Até reparo que tenho só esperança
nada mais do que eperança
pura esperança
esperança verdadeira
que engana
e promete
e só promete.

Esperança:
pobre mãe louca
que quer pôr o filho morto de pé?

Esperança
único que eu tenho
não me deixes sem nada
promete
engana
engano que seja
engana
não me deixes sozinho
esperança.


Almada Negreiros

Poeta no seu Seio


















Os teus Seios

Sei os teus seios
Sei-os de cor.

Para a frente, para cima,
Despontam, alegres, os teus seios.

Vitoriosos já,
Mas não ainda triunfais..

Quem comparou os seios que são teus
(Banal imagem) a colinas!

Com donaire avançam os teus seios,
Ó minha embarcação!

Porque não há
Padarias que em vez de pão nos dêm seios
Logo p'la manhã?

Quantas vezes
Interrogastes, ao espelho, os seios?

Tão tolos os teus seios! Toda a noite
Com inveja um do outro, toda a santa
Noite!

Quantos seios ficaram por amar?

Seios pasmados, seios lorpas, seios
Como barrigas de glutões!

Seios decrépitos e no entanto belos
Como o que já viveu e fez viver!

Seios inacessíveis e tão altos
Como um orgulho que há-de rebentar
Em desesperadas, quarentonas lágrimas...

Seios fortes como os da Liberdade
-Delacroix-guiando o Povo.

Seios que vão à escola p'ra de lá sairem
Direitinhos p'ra casa...

Seios que deram o bom leite da vida
A vorazes filhos alheios!

Diz-se rijo dum seio que, vencido,
acaba por vencer...

O amor excessivo dum poeta:
"E hei-de mandar fazer um almanaque
da pele encadernado do teu seio"

Retirar-me para uns seios que me esperam
Há tantos anos, fielmente, na província!

Arulho de pequenos seios
no peitoral de uma janela
Aberta sobre a vida.

Botas, botifarras
Pisando tudo, até os seios
Em que o amor se exalta e robustece!

Seios adivinhados, entrevistos,
Jamais possuídos, sempre desejados!

"Oculta, pois, oculta esses objectos
Altares onde fazem sacrifícios
Quantos os vêm com olhos indiscretos"

Raimundo Lúlio, a mulher casada
Que cortejaste, que perseguiste
Até entrares, a cavalo, p'la igreja
Onde fora rezar,
Mudou-te a vida quando te mostrou
("É isto que amas?")
De repente a podridão do seio.

Raparigas dos limões a oferecerem
Fruta mais atrevida: Inesperados seios...

Uma roda de velhos seios despeitados,
Rabujando,
A pretexto de chá...

Engolfo-me num seio até perder
Memória de quem sou...

Quantos seios devorou a guerra, quantos,
Depressa ou devagar, roubou à vida,
À alegria, ao amor e às gulosas
Bocas dos miúdos!

Pouso a cabeça no teu seio
E nenhum desejo me estremece a carne.

Vejo os teus seios, absortos
Sobre um pequeno ser.

Poesia de Alexandre O'Neill

Fotografia de Howard M. Cristophen

4.19.2006

Antero de Quental























Tese e Antítese

I

Já não sei o que vale a nova ideia,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, à luz da barricada,
Como bacante após lúbrica ceia!

Sanguinolento o olhar se lhe incedeia...
Respira fumo e fogo embriaga...
A deusa de alma vasta e sossega
Ei-la presa das fúrias de Medeia!

Um século irritado e truculento
Chama à epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obus...

Mas a ideia é num mundo inalterável,
Num cristalino Céu, que vive estável...
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!


II


Num Céu intemerato e cristalino
Pode habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espectáculo divino:

Mas o homem, na terra onde o destino
O lançou, vive e agita-se incessante...
enche o ar da terra o seu pulmão possante...
Cá da terra blasfema ou ergue um hino...

A ideia encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar são chamas que crepitam,
Paixões ardentes como vivos sóis!

Combatei pois na terra árida e bruta,
Té que a revolva o remoinhar da luta,
Té que fecunde o sangue dos heróis.


Antero de Quental

Poeta e pensador português.
Comemorando o nascimento do poeta a 18 de Abril de 1842 (m. 11 de Setembro de 1881).

Os Poetas são eternos.

4.14.2006

Gaivota


















Gaivota


Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos setes mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
morreria no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.



Alexandre O'Neill

4.08.2006

Memórias Visuais II


De volta ao baú analógico do "blogger"...
Outros olhares sobre a Nazaré...




A intensidade do mar na Praia do Norte...



O penhasco do Sítio da Nazaré...



O cromatismo do entardecer como que advinhando a animação da noite...

Nazaré... terra de todos e terra de ninguém.

4.07.2006

De Almada Negreiros...






















Rondel do Alentejo


Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.

Meia-noite
do Segredo
no penedo
duma noite
de luar.

Olhos caros
de Morgada
enfeitava
com preparos
de luar.

Rompem fogo
pandeiretas
morenitas,
bailam tetas
e bonitas,
bailam chitas
e jaquetas
são de fitas
desafogo
de luar.

Voa o xaile
andorinha
pelo baile,
e a vida
doentinha
e a ermida
ao luar.

Laçarote
escarlate
de cocote
alegria
de Maria
la-ri-rate
em folia
de luar.

Giram pés
giram passos
girassóis
os bonés,
os braços
estes dois
iram laços
o luar.

Colete
esta virgem
endoidece
como o S
do foguete
em vertigem
de luar.


Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.

Almada Negreiros

Na comemoração nascimento do Grande Almada Negreiros,
artista plástico, escritor,.... e poeta.
Nascido a 07 de abril de 1893 (M. 15 de Junho de 1970)

4.04.2006

Agostinho da Silva



Em memória de George Agostinho Batista da Silva, professor universitário, filósofo, ensaísta e....poeta

.

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Poemas soltos

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Crente é pouco sê-te Deus

E para o nada que é tudo

Inventa caminhos teus.

...

Se Ele é o que dizes

Ele nada pode ser

E se nada, livre está

Para ser o que quiser.

...

Se Deus quisesse ocupar

Lugar a si mesmo igual

Preenchia todo o nada

E o deixava tal e qual.

...

Do que é o Espírito Santo

Só diga quem ficar mudo

Que palavra há que me leve

Áquele nada que é tudo.

...

Oxalá por saber tanto

Me apeteça ficar mudo

Só então vendo sem ver

Aquele nada que é tudo.

.

Agostinho da Silva

Nascido a 13 de Fevereiro de 1906, falecido a 03 de Abril de 1994.