Douro navegado pela minha infância.
Viagens na Minha Terra
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Ás vezes, passo horas inteiras
Olhos fitos nestas traseiras,
Sonhando o tempo que lá vai;
e jornadeio em fantasia
Essas jornadas que eu fazia
Ao velho douro, mais o meu pai.
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Que pitoresca era a jornada!
Logo, ao subir da madrugada,
Prontos os dois para partir:
- Adeus! adeus! é curta a ausência,
Adeus! - rodava a diligência
Com campaínhas a tinir!
..
E, dia e noite, aurora a aurora,
Por essa doida terra fora,
Cheia de cor, de luz, de som,
Habituado à minha alcova
Em tudo eu via coisa nova,
Que bom que era, meu Deus! Que bom!
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Moinhos ao vento! Eiras! Solares!
Antepassados! Rios! Luares!
Tudo isso eu guardo, aqui ficou:
Ó paisagem etérea e doce,
Depois do ventre que me trouxe
A ti devo tudo o que sou!
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No arame oscilante do fio,
Amavam (era mês do cio)
Lavandiscas e tentilhões...
Águas do rio vão passando
Muito mansinhas, mas, chegando
Ao mar, transformando-se em leões!
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Ao sol, fulgura o Oiro dos milhos!
Os lavradores mai-los filhos
A terra estrumam, e depois
Os bois atrelam ao arado
E ouve-se além, no descampado
Num ímpeto, aos berros: - Eh! Bois!
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E, enquanto a velha mala-posta,
a custo vai subindo a encosta
Em mira ao lar dos meus avós,
Os aldeãos, de longe, alerta,
Olham pasmados, boca aberta...
A gente segue e deixa-os sós.
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Que pena faz ver os que ficam!
Pobres, hunildes, não implicam,
Tiram com respeito o chapéu:
Outros, passando a nosso lado,
Diziam: "Deus seja Louvado!"
"Louvado seja!" dizia eu.
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E, meiga, tombava a tardinha...
No chão, jogando a vermelhinha,
Outros vejo a discutir.
Carpiam, místicas, as fontes...
Água fria de Trás-os-Montes
Que faz sede só de se ouvir!
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E, na subida de Novelas,
O rubro e gordo Cabanelas
Dava-me as guias para a mão:
Isso... queriam os cavalos!
Que eu não podia chicoteá-los...
Era uma dor de coração.
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Depois, cansados da viagem,
Repoisávamos na estalagem
(Que era em Casais, mesmo ao dobrar...)
Vinha a Sra. Ana das Dores
"Que hão-de querer os meus senhores?
Há pão e carne para assar..."
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Oh! ingénuas mesas, honradas!
Toalhas brancas, marmeladas,
Vinho virgem no copo a rir...
O cuco da sala, cantando...
(Mas o Cabanelas, entrando,
Vendo a hora: É preciso partir").
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Caia a noite. Eu ia fora,
Vendo uma estrela que lá mora,
No firmamento português:
E ela traçava-me o meu fado
"Serás poeta e desgraçado!"
Assim se disse, assim se fez.
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Meu pobre Infante, em que cismavas,
Por que é que os olhos profundavas
No céu sem-par de teu País?
Ias, talvez, moço troveiro,
A cismar num amor primeiro:
Por primeiro, logo infeliz...
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E o carro ia aos solavancos.
Os passageiros, todos brancos,
Ressonavam nos seus gabões:
E eu ia alerta, olhando a estrada,
Que em certo sítio, na Trovoada,
Costumavam saír ladrões.
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Ladrões! Ó sonho! Ó maravilha!
Fazer parte duma quadrilha,
Rondar, á lua , entre pinhais!
Ser Capitão! trazer pistolas,
Mas não roubando, - dando esmolas
Dependurados dos punhais...
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E a mala-posta ia indo, ia indo.
O Luar, cada vez mais lindo,
Caía em lágrimas, - e, enfim,
Tão pontual, ás onze e meia,
Entrava, soberba, na aldeia
Cheia de guizos, tlim, tlim, rlim!
..
Lá vejo ainda a nossa casa
Toda de lume, cor de brasa,
Altiva, entre árvores, tão só!
Lá se abrem os portões gradeados,
lá vêm com velas os criados,
Lá vêm, sorrindo, a minha Avó.
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António Nobre ..." As Viagens na Minha Terra"
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