Mário de Sá Carneiro IV
CRISE LAMENTÁVEL
Gostava tanto de mexer na vida,
De ser quem sou ? mas de poder tocar-lhe...
E não há forma: cada vez perdida
Mais a destreza de saber pegar-lhe.
Viver em casa como toda a gente
Não ter juízo nos meus livros ? mas
Chegar ao fim do mês sempre com as
Despesas pagas religiosamente.
Não Ter receio de seguir pequenas
E convidá-las para me pôr nelas ?
À minha Torre ebúrnea abrir janelas,
Numa palavra, e não fazer mais cenas.
Ter força um dia pra quebrar as roscas
Desta engrenagem que empenando vai.
? Não mandar telegramas ao meu Pai,
? Não andar por Paris, como ando, às moscas.
Levantar-me e sair ? não precisar
De hora e meia antes de vir prà rua.
? Pôr termo a isto de viver na lua,
? Perder a frousse das correntes de ar.
Não estar sempre a bulir, a quebrar coisas
Por casa dos amigos que frequento ?
Não me embrenhar por histórias melindrosas
Que em fantasia apenas argumento
Que tudo em é fantasia alada,
Um crime ou bem que nunca se comete
Por meu Azar ou minha Zoina suada...
Mário de Sá Carneiro
Poemas Dispersos. Paris, Janeiro.
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