100 MYTOS

2.26.2006

Trovoada


Esta tarde a trovoada caiu


Esta tarde a trovoada caiu
Pelas encostas do céu abaixo
Com um pedregulho enorme...
Como alguém que duma janela alta
Sacode uma toalha de mesa,
E as migalhas, por cairem todas juntas,
Fazem algum barulho ao cair.
A chuva chovia no céu
E enegreceu os caminhos...

Quando os relâmpagos sacudiam o ar
E abanavam o espaço
Como uma grande cabeça que diz não,
Não sei porquê - eu não tinha medo -
Pus-me a rezar a Santa Bárbara
Como se fosse a velha tia de alguém...

Ah! É que rezando a Santa Bárbara
Eu senti-me ainda mais simples
Do que julgo que sou...
Senti-me familiar e caseiro
E tendo passado a vida
Tranquilamente, como o muro do quintal;
Tenho ideias e sentimentos por os ter
Como uma flor tem perfume e cor...

Sentia-me alguém que possa acreditar em Santa Bárbara...

Ah, poder crer em Santa Bárbara!

(Quem crê que há Santa Bárbara,
Julgará que ela é gente e visível
Ou que julgará dela?)

(Que artifício! Que sabem
As flores, as árvores, os rebanhos,
De Santa Bárbara?... Um ramo de árvore,
Se pensasse, nunca podia
Construir santos nem anjos...
Poderia julgar que o sol
É Deus, e que a trovoada
É uma quantidade de gente
Zangada em cima de nós...
Ali, como os mais simples dos homens
São doentes e confusos e estúpidos
Ao pé da clara simplicidade
E saúde em existir
Das árvores e das plantas!)

E eu pensando em tudo isto,
Fiquei outra vez menos feliz...
Fiquei sombrio e adoecido e suturno
Como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça
E nem sequer de noite chega.


Alberto Caeiro

2.23.2006

Ás vezes...





Ás vezes, em dias de luz perfeita e exacta

Ás vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.

Uma flôr acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm côr e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou ás coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?

Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.

Que difícil ser próprio e não ser senão o visível!



Alberto Caeiro

2.22.2006

Azuis os Montes






Azuis os Montes


Azuis os montes que estão longe param.

De eles a mim o vário campo ao vento, à brisa,
Ou verde ou amarelo ou variegado,
Ondula incertamente.

Débil como uma haste de papoila
Me suporta o momento.

Nada quero.

Que pesa o escrúpulo do pensamento
Na balança da vida?

Como os campos, e vário, e como eles,
Exterior a mim, me entrego,
Filho ignorado do Caos e da noite
Às férias em que existo.


Ricardo Reis

2.19.2006

Guardador de rebanhos



Eu nunca Guardei Rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Ninha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste com um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes.
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sózinho.

E se desejo ás vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda essa encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E correr um silêncio pela erve fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos.

E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz

E quer compreender que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta ao cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé de uma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural,
Por exemplo, a árvore antiga
Á sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

Alberto Caeiro

2.18.2006

Vícios III-2





Além do prazer da condução todo-terreno,
O prazer da companhia dos amigos.
Companheiros de muitas aventuras
Por muitas pistas deste país.

Em cima de uma moto tudo se esquece...
Tudo menos os amigos que nos acompanham.
Cumplíces na paixão pelas motos.

Vícios III-1


Desportos motorizados...
Motos Todo-Terreno...
Irresistível tentação.

O "Blogger" e a sua Huskvarna
Fiel companheira de muitas aventuras...
No prazer da condução em situações limite
Qual bálsamo para as maleitas do stress do quotidiano,
Na beleza das imagens e no rodar perfeito.

Abaixo a monotonia!!!!

2.17.2006

Liberdade




Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é uma maçada,
Estudar é nada.
O sol doura
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem ediçaõ original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papeis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indestinta
A distância entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, Quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

2.16.2006

Cativeiro


Quando é que o cativeiro...

Quando é que o cativeiro
Acabará em mim,
E, próprio dianteiro,
Avançarei enfim?

Quando é que me desato
Dos laços que me dei?
Quando serei um facto?
Quando é que me serei?

Quandi, ao virar da esquina
De qualquer dia meu,
Me acharei alma digna
Da alma que Deus me deu?

Quando é que será quando?
Não sei. E até então
Viverei perguntando:
Perguntarei em vão.

Fernando Pessoa

O mar




Mar de Setembro


Tudo era claro:
Céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
Fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
Iam, vinham, iam,
Dóceis, leves, só
Alma e brancura.
Felizes, cantam;
Serenos, dormem;
Despertos, amam,
Exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
Jovem, alado.
O mar estava perto,
Puríssimo, dourado.





Eugénio de Andrade

A minha aldeia


A minha aldeia

Minha aldeia é todo o mundo.
Todo o mundo me pertence.
Aqui me encontro e confundo
Com gente de todo o mundo
Que a todo o mundo pertence.

Bate o sol na minha aldeia
Com várias inclinações
Ângulo novo, nova ideia;
Outros graus, outras razões.
Que os homens da minha aldeia
São centenas de milhões.

Os homens da minha aldeia
Divergem por natureza.
O mesmo sonho os separa,
A mesma fria certeza
Os afasta e desampara,
Rumorejante seara
Onde se odeia em beleza.

Os homens da minha aldeia
Formigam raivosamente
Com os pés colados ao chão.
Nessa prisão permanente
Cada qual é seu irmão.
Valência de fora e dentro
Ligam tudo ao mesmo centro
Numa inquebrável cadeia,
todos os homens convergem
No centro da minha aldeia.

António Gedeão

2.15.2006

Vicios II








Já lá vão uns anos...
Um dia,a aventura do paraquedismo bateu-me à porta.
Foram sensações difíceis de explicar.
Aventura difícil de esquecer.
O subir aos 2000m,
Saír para o exterior do avião,
Bem agarrado ao montante da asa,
Com os pés no trem de aterragem...
Esperar pela zona de salto, e...
À ordem do instrutor...
Saltar para o vazio.

E a aventura ainda ia a meio.
Durante algum tempo parecia que se ficava parado no espaço, ... e no tempo.

Puro engano.
A 200m do solo, este começa a aproximar-se a uma velocidade vertiginosa.
E a aventura acaba com um regresso à terra mais ou menos doloroso.
Questões de pormenor, perante tamanha intensidades de emoções.

E a aventura continuou.

Deixem-me o sono


Deixem-me o sono! Sei que já é manhã.

Deixem-me o sono! sei que já é manhã
Mas se tão tarde o sono veio,
Quero, desperto, ainda sentir a vã
Sensação do seu vago enleio.

Quero, desperto, não me recusar
A estar dormindo ainda,
E, entre a noção irreal de que aqui estar,
Ver essa noção finda.

Quero que me não neguem quem não sou
Nem que, debruçado eu
Da varanda por sobre onde estou,
Nem sequer veja o céu.

Fernando Pessoa

Durmo.


Durmo. Regresso ou espero?

Durmo. regresso ou espero?
Não sei. Um outro flui
Entre o que sou e o que quero
Entre o que sou e o que fui.

Fernando Pessoa

2.14.2006

O Tejo é mais belo



O Tejo é mais belo

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Nimguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro

O Horror de Conhecer


O Horror de Conhecer

. I

O inexplicável horror
De saber que esta vida é verdadeira,
Que é uma coisa real, que é como um ser
Em todo o seu mistério
Realmente real

. II

Do horror do mistério são, talvez guerreiros
Símbolos esses horrendos
Gorgona e Demogorgon fabulosos,
Fatais um pelo aspecto e outro no nome.
Neles se vê a ansiedade
De ter, em concepção que torturasse
De terror, isso que de vago e estranho,
Atravessando com um arrepio
Do pensamento a solidão, integra
Em luz parcial... a negra lucidez
Do mistério supremo. É conhecer,
O erguer desses ídolos de horror,
A existência daquilo que, pensando
A fundo, redemoinha o pensamento
Por loucos vãos recantos, delírios da loucura,
Despenhadeiros íngremes, confusos
Torturamentos, e o que mais de angústia
E pavor não se exprime, nem que falhe
Na própria concepção o conceber.
...

Fernando Pessoa

Cansa ser...





Cansa ser, sentir dói, pensar destruir.

Cansa ser, sentir dói, pensar destruir.
Alheia a nós, em nós e fora,
Rui a hora, e tudo nela rui.
Inutilmente a alma chora.

De que serve? O que é que tem que servir?
Pálido esboço leve
Do sol de inverno sobre o meu leito a sorrir...
Vago sussuro breve.

Das pequenas vozes com que a manhã acorda,
Da fútil promessa do dia,
Morta ao nascer, na 'sperança longínqua e absurda
Em que a alma se fia.

Fernando Pessoa

2.12.2006

Clube dos Poetas

Outra paixão...
A Poesia.
A nobre arte do bem escrever Português.
Mestres no uso da palavra escrita,
Tão diferentes como...
António Gedeão...
Eugénio de Andrade...
Bocage...
Antero de Quental...
Camões...
E a poesia de Fernando Pessoa...
Poeta maior deste país à beira mar plantado.

Outros grandes nomes da poesia passarão por aqui.

Este blog vai ser em grande parte dedicado à poesia do poeta Fernando Pessoa.

Intervalada por alguns devaneios sobre outras paixões, ....
E outras incoerências...
Tal como abordar um tema tão diferente como a aviação militar,
Em especial a avição da 2ª Guerra Mundial.
Paixões estranhas que nos assolam.
Frutos das vivências e experiências que a vida nos deu.
E a vida tem sido animada por estas bandas...
A vida é bela ,
Apesar dos...
Desmandos da vida.

Vícios I



Quantos vícios nos apaixonam.
A natureza, pois a natureza...
Tão longe e tão perto.
A grande paixão pelo meio aquático levou-me a recriar um pedaço de natureza em 200 litros de água.
Falo de aquariofilia.
O meu aquário comunitário tropical, biótopo asiático, seduz-me.
A paixão da observação da interacção das espécies, a sociabilidade das mesmas.
Os seus mistérios.
Um dia destes posto imagens.

100mytos,...só Portugal


Portugal.
País de contrastes,
De sons e cantos estranhos,
... país de enganos,.


Qual confusão de ideias artificial,
Sombra gasta e impura...
Escura de luz natural.
Não te sabemos merecer Portugal

Sensação estranha que se entranha.

Portugal mostra o que és.
País feito no mar.
Fruto de gente que soube ousar.

Onde está a ousadia que nos fez?

Onde páras Portugal?

altolliv