100 MYTOS

3.12.2006

Éclogas Camonianas


Piscatória

Arde por Galateia branca e loura,
sereno, pescador pobre, forçado
de uma estrela cruel que à mingua moura.

Os outros pescadores têm lançado
no Tejo as redes; ele só fazia
este queixume ao vento descuidado:

«Quando virá, formosa Ninfa, o dia
em que te possa dar a conte estreita
desta doudice triste e vã porfia?

Não vês que me foge a alma e que me enjeita,
buscando num só riso da tua boca,
nos teus olhos azuis, mansa colheita?

Se a esse espírito alguma mágoa toca,
se de Amor fica nele uma pegada,
que te vai, Galateia, nesta troca?

Dar-te-ei minha alma; lá ma tens ruobada;
não ta demandarei; dá-me por ela
uma só volta de olhos descuidada.

Se muito te parece, e minha estrela
não consentir ventura tão ditosa,
dou-te as asas do Amor perdidas nela.

Que mais te posso dar, Ninfa formosa,
minha tormenta triste não sossega;
arde o peito em vão, em vão suspira.

Ao romper dálva anda a névoa cega
sobre os montes da Arrábida viçosos,
enquanto a eles a luz do sol não chega.

Eu vejo aparecer outros formosos
raios, que graça e côr ao céu roubaram;
ficam meus olhos cegos mais saudosos.

Quantas vezes as ondas se encresparam
com os meus suspiros! Quantas com o meu pranto
se pararam com mágua e me escutaram!

Se na força da dor a voz levanto,
e ao som do remo que a água vai ferindo
por alta lua meu cuidado canto,

os maviosos delfins me estão ouvindo;
a noite sossegada; o mar calado.
Só, Galateia, foges e vás rindo.

Estranhas, porventura, o mar cercado
da fraca rede, a barca ao vento solta,
e um pobre pescador aqui lançado?

Antes que o sol dê no céu uma vota
se pode melhorar minha ventura,
como acontece aos outros, n'água envolta.

Igual preço não é da formosura
areia de ouro, que o rico Tejo espraia,
mas um amor para sempre dura.

Vejam teus olhos, bela Ninfa, a praia;
verás teu nome na mimosa areia.
nunca sobre ele o mar com fúria saia,

que até agora nem vento a ar salteia!
Três dias há que escrito aqui o deixou
Amor, guardando-o a toda a força alheia.

Ele com suas mãos mesmo ajudou
escolher estas conchas, que guardando,
uma a uma para ti só juntou.

Um ramo te colhi de coral brando;
antes que o ar lhe desse, paracia
o que eu de tua boca estou cuidando.
Ditoso se o soubesse inda algum dia!»


Luís Vaz de Camões


Celebrando os 473 anos da publicação de Os Lusíadas
publicados a 12 de Março de 1572.

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