Mário de Sá Carneiro
Mário de Sá Carneiro nasceu em Lisboa, em 19 de Maio de 1890.
Suicidou-se em Paris em 26 de Abril de 1916.
Filho de família abastada, em 1912 seguiu para a capital francesa, onde se inscreveu no curso de Direito da Sorbome, cujas aulas abandonou nesse mesmo ano, passando a viver a boémia artística parisiense com outros intelectuais interessados na arte de vanguarda.
Manteve intensa correspondência com Fernando Pessoa.
Estava em Portugal quando foi lançada a revista Orpheu, da qual foi director, colaborador e o principal financiador.
Em Agosto de 1915 regressou a Paris, de onde comunicou a Fernando Pessoa que não custearia o terceiro número da Orpheu, porque o pai lhe reduzira a mesada.
Começaram então as crises psíquicas e financeiras que precederam a sua morte.
Rodopio
Volteiam dentro de mim,
Em rodopio, em novelos,
Milagres, uivos, castelos,
Forcas de luz, pesadelos,
Altas torres de marfim.
Ascendem hélices, rastos...
Mais longe coam-se sóis;
Há promontórios, faróis,
Upam-se estátuas de heróis,
Ondeiam lanças e mastros.
Zebram-se armadas de cor,
Singram cortejos de luz,
Ruem-se braços de cruz,
E um espelho reproduz,
Em treva, todo o esplendor...
Cristais retinem de medo,
Precipitam-se estilhaços,
Chovem garras, manchas, laços...
Planos, quebras e espaços
Vertiginam em segredo.
Luas de oiro se embebedam,
Rainhas desfolham lírios:
Contorcionam-se círios,
Enclavinham-se delírios
Listas de som enveredam...
Virgulam-se aspas em vozes,
Letras de fogo e punhais;
Há missas e bacanais,
Execuções capitais,
Regressos, apoteoses.
Silvam madeixas ondeantes,
Pungem lábios esmagados,
Há corpos emaranhados,
Seios mordidos, golfados,
Sexos mortos de ansiantes...
(Há incenso de esponsais
Há mãos brancas e sagradas,
Há velhas cartas rasgadas,
Há pobres coisas guardadas -
Um lenço, fitas, dedais...)
Há elmos, troféus, mortalhas.
Emanações fugidias,
Referências, nostalgias,
Ruínas de melodias,
Vertigens, erros e falhas.
Há vislumbres de não-ser,
Rangem, de vago, neblinas;
Fulcram-se poços e minas,
Meandros, pauis, ravinas
Que não ouso percorrer...
Há vácuos, há bolhas de ar,
Perfumes de longas ilhas,
Amarras, lemes e quilhas -
Tantas, tantas maravilhas
Que se não podem sonhar!...
Mário de Sá Carneiro
Paris, Maio de 1913