Olhos de Poeta
Os olhos do poeta
O poeta tem olhos de água
para refletirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas,
mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério
que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo
na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras
dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas
dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães
que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas
onde se falam todas as linguas da terra
e o gesto desolado dos homens
que voltam ao lar com as mão vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula,
e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras
sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados
maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores
esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar
amaldiçoando a tempestade:
-todas as cores, todas as formas do mundo se agitam
e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar,
que é um farol erguido no alto dum promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração
dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida,
perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta
com tinta de sol na noite de angustia que pesa no mundo.
Manuel da Fonseca
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